GARGANTA SEDENTA
Naquela garganta ecoava gritos, sussurros, gemidos e prazer. Sons inarticulados permanentes e consonantes preenchiam o ambiente febril. A sintonia da janela que qualifica com a porta que tudo quer era de uma harmonia fascinante. O aroma do bom senso era inexistente e indiferente a situação reinava plena naquele confortável mundo.
A consciência intacta sabia que o mundo não girava em torno de si, mas pouco importava os outros que nele habitavam. As pessoas, veículos, espaços, prédios, ambientes, não tinha a sua real importância, o seu necessário valor existencial. Morbidamente o espaço ocupado pelo depressivo corpo era o suficiente, mesmo sem ter o cuidado de saber onde realmente estava que espaço ocupava. Os olhos miúdos e redondos só se abriam para a satisfação de uma rápida visualização. O desejo, o namoro, o prazer satisfatório eram ignorados pela garganta sedenta e voraz. Traçar as linhas, buscar os caminhos, estudar os motivos que levaram ao isolamento do mundo focado única e exclusivamente em sua garganta, seu espaço corpóreo de fundamental importância, depararíamos com o seu processo fetal, assim como os distúrbios, um mau genético. Interjeições, explicações, exclamações, nada penetrava na bloqueada audição. Uma janela que morria em um profundo abismo da negação. Um ar gorduroso tomava o ambiente nefasto e lúgubre. Sentia-se o peso do ar, seu volume e excesso. Não era necessário vê-lo para se saber que ali reinava um dos reis dos setes pecados capitais.
-Um sorriso?
-Não.
Corre um risco sutil na face redonda.
Juscio Marcelino de Oliveira
28 de novembro de 2010 (domingo).