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quarta-feira, 12 de outubro de 2011




EU CAJUEIRO

E um dia, ao amanhecer, estarei velho na aparência, mas novo no conhecimento, saboreando palavras em cordas do tempo, degustando lembranças inesquecíveis. Um leve suspiro irá compor esse momento, esse dia, esse fim... De um belo começo.
Folhas de um antigo cajueiro deitarão soltas, amareladas, depreendidas da sua função primeira para na segunda em decomposição está sobre a espessa grama que marca a copa ao chão e naquele dia, testemunham a conversa de uma criança com o seu avô:

                -Fala vô o que esse homem tanto fez para merecer o nome dele nessa árvore?

O avô que embalava a netinha no balanço montado sob a frondosa copa do cajueiro parou por segundos e lembranças que ele pensava estarem enterradas sob as grossas e extensas raízes daquela arvore lhe vieram à tona como uma invocação espiritual. O relógio da vida estava naquele momento com o mesmo ponteiro que há vinte anos o marcara para sempre. Como lançadeiras o seu pensamento começou a implodir de informações, de lembranças alegres, de momentos impagáveis, muitos deles simples, quase despercebidos, mas só agora valorizados pela imensurável saudade. Ele via praias, enseadas, campo de futebol, churrasco, bebida, moto, carro, aventura e... Os seus olhos marejantes relutaram para não chorar a solidão que tinha lhe tomado por inteiro naquele momento. Um arrependimento de coisas que deixara de fazer reforçava aquela eclosão de desejos de retornar ao passado, de rever conceitos e refazer coisas que hoje lhe daria um doce prazer. 

         -Vovô!

Como um forte anzol a sua netinha o pesca para o real, faz o avô retornar daquele labirinto de recordações, daquela nostalgia.

            -Balança!

Desnorteando, com a cabeça confusa pelos sentimentos que despertaram em seu coração provocado pelo passado, ele convida a netinha para retornar argumentando o tempo, o lanche da tarde, enfim, retira a pequena do balanço e afaga em seus braços simbolicamente se despedindo do passado, como se aquele abraço fechasse a porta do túnel do tempo.

         -O senhor tá chorando?
 
  Ele sorrir para aquele anjinho e lhe explica que foi um cisco da árvore que caiu em seu olho.

            -Nos dois?
            -Sim, meu amorzinho, nos dois, mas logo o vovô vai está bem.
            -Árvore feia.

Uma folha verde cintilante, nada visto naquela manhã e acredito em lugar algum se desprende do velho cajueiro e suavemente cai no colo da netinha que estava nos braços do seu avô. Uma brisa perfumada com aroma de natureza invade todo o espaço comungando com o momento em flor. A netinha sorrir.
           -Desculpa árvore.

segunda-feira, 27 de junho de 2011


A COR DO SABER

  Saindo de casa para mais um dia de descobertas no mundo do conhecimento, parei no primeiro batente do velho portão de ferro, segurei o ferrolho desgastado e ali fiquei a olhar as coisas, pessoas, as folhas e papeis de embrulhos soltos ao ar. Uma lacuna se abriu na monotonia diária, daquela velha rotina; Será que todos os dias essas pessoas passam por aqui? As folhas mortas dos frondosos pés de mangueiras caem diariamente e se juntam ao que jogado é pelas pessoas que ali passam? Quem são eles, de onde vem e para onde vão? Porque eu nunca tinha surtado de tal forma? Percebi que o vento soprava diferente naquela manhã sombria. Sombria? Será que todas as manhãs eram daquele jeito e eu nunca tinha notado?



-Bom dia.


O que? Quem será e porque me cumprimentou? Será que essa senhora me conhece ou só quis ser educada? Será que ela está interessada em algo mais, de me levar para devaneios nefastos, receber todas as suas entidades ludibriosas ou..? Meu Deus! Será que ela é isca de ladrão? O portão pesou toneladas e junto as minhas pernas. Um suor frio e sufocante lavava todo o meu rosto fazendo tremer todo o meu ser. Queria voltar, sair daquele portão, não mais ver aquelas pessoas que passavam pela calçada como se estivesse tramando contra mim. Um nó se formou na garganta como um grito grosso e forte querendo sair de uma só vez. As folhas velhas e mortas não se direcionavam mais a sombra da copa ao chão, mas parecendo estarem sendo enviadas pelas mangueiras. Todo o universo conspira contra. Quem poderá me salvar?
-Papai!
O que?
-Faz tempo que te chamo. Não vai me levar para a aula de pintura? Na aula passada a professora explicou sobre a cor do saber. O senhor sabe qual é a cor do saber pai?
Meu Deus, o que foi isso?
 -Não é o que foi e sim o que é isso pai? A pergunta é...
Vamos filha.
Vamos então.Nunca ninguém me responde nada. A cor do saber deve ser isso, não se responder.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

A Viúva


Em busca de uma foto do Macaibense Augusto Severo nas páginas virtuais da net me deparei com um site que de cara me chamou atenção. Era uma poesia sobre a viúva, vi o título da poesia "Viúva negra" logo me reportei aos bancos de réus que indignado vou ser jure e em um desses; a ré era conhecida por viúva negra.
                    -Para, não ri.
Peço desculpas, mas foi o que de primeiro o título me fez visualizar. Já era o terceiro marido que aquela aparentemente frágil e franzina senhora com feição bondosa me fez pensar.
Li atentamente a poesia de João da Mata, que até o sobrenome do autor me levava ao meu banco de memória, mas inúmeras fotografias de símbolos misturando-se harmoniosamente com mulheres de uma ficção heróica, mítica onde mistura o sacro/profano me fazendo beijar os pés de Dali a Picasso.
Caramba! O que esse ditirâmbico escritor está fazendo com os meus arquivos? Abrindo-os como mágico a caixa de Pandora e retirando todas as ligações que eu tenho a guardar de um mundo que nada me agrada.
                   -Tem medo de que monstro?
O enorme medo de ser convocado mais uma vez pela justiça para realizar um ato que leva você a decidir a vida de um outro ser. Me sinto na santa inquisição, prestes a enviar alguém a fogueira ou... Liberdade sempre.
                   -Mesmo que seja um monstro?
Vê como viajei. Esse João é muito bom. Meus parabéns.
                   -E a viúva primeira, a minha?
Ganhou liberdade pela terceira vez. Falta de provas e alegado legítima defesa. 

domingo, 24 de abril de 2011


A PORTA


Indignado o homem de meia idade reordenava o colarinho da camisa de linho verde desbotada, como se fosse um touro prestes a atacar; em expressão e trejeitos, corpo inquieto, lábios trémulos e olhos lacrimejantes. Aquele corpo prestes a explodir pedia solução. 
-Era um homem bomba?
Aquela noite fria e lúgubre era a atmosfera perfeita para o inesperado acontecer, era o cenário do dia D da vida daquele pobre e indefeso mortal.
-Caramba! Até parece roteiro para Zé do Caixão. Muito sinistro.
Lacrimejava a emoção ferozmente contida na escura estribaria daquele bruto corpo. Preso em um invisível espaço surreal, nas amarras da formação sócio familiar. Que destino esperava na fração dos minutos contidos... 
-Pára! Que história complicada!  
Daquele homem que caminhava no escuro da vida em direção do abismo do ceio familiar...
-Pára, eu já falei!
-Muito chato o que você fala e é cheio de complicação. O senhor não ia falar do homem que ia dizer aos pais que era gay, ou não? 
Abre a porta que inerte está ao seu tenebroso conflito, com as mãos tremulas e molhadas pelo suor do nervosismo e espremidas em gotas que escoem naquela fria e metálica maçaneta de bronze envelhecida, o homem suspira forte pedindo socorro aos céus.
-Eu não digo que o senhor só complica com essa conversa comprida. Até parece um escritor. meu Deus, é uma coisa tão simples de dizer, mas não, ele faz bicos e rendas para dizer aos pais que é gay.
Relutante ao que iria revelar para aqueles que tanto o admirava como um homem integro e honesto, que estava buscando segurança financeira para poder constituir uma família; esposa, filhos. A continuidade daquela geração pairava como uma nuvem chuvosa sobre aquele calvo homem.
-Tá vendo como ele é complicado; falou pelas tabelas e da porta não saiu. esses anos todo de vida para se decidir e quando vai falar, fica nesse chove não molha. Pra mim chega! 
Você fala assim porque não sabe como é complicado se aceitar e principalmente assumir para os pais. Sou filho único e mesmo que tivesse mais filhos, sei que vai ser a morte pra eles. 
-Morre um, mas nasce outro, bem melhor, bem resolvido, feliz com ele mesmo. Não complique. Se os seus pais o amam tanto assim como você acha, então eles vão de início ficar tristes, mas rapidinho irão te abençoar e te amar da mesma maneira, quem sabe amarão até mais. Entra besta, abre essa sua porta e se liberta dessa agonia. 
Pingos latejantes escorriam no rosto gelado...
-Entra ou não entra, mas ficar nesse lenga lenga você não vai ficar mesmo. Veja, a porta se abriu, e é a sua mãe. Vamos, coragem. Respira fundo e fale!
Mãe, já faz muito tempo que...
-Seja objetivo. Fale!
Mãe, eu sou...

 

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Auta de Souza

Por Ana Laudelina Ferreira
Acaba de ser publicado nos Estados Unidos livro de crítica literária feminista que traz Auta de Souza como uma das três  poetas estudadas e de efetiva importância para a revisão de cânones na perspectiva de uma poesia afro-americana.

Título da obra: "Between the Lines : Literary Transnationalism and African American Poetics"
Autora: Monique-Adelle Callahan
Editora: Oxford University Press, 2011.

Descrição (segundo informações postadas na internet pela editora):
"Between the Lines" examina o papel de três poetas de ascendência africana - Frances Harper, Cristina Ayala e Auta de Souza - na formação da história literária das Américas. Como está para ser lançado neste mês de abril, o livro ainda não está disponível em livrarias eletrônicas norte-americanas, mas já pode ser encomendado em algumas.
O livro de Callahan vem em boa hora, considerando que a minha tese também está sendo publicada neste semestre, pela Editora da Física: "Auta, a noiva do verso".
Por conta dessa minha tese de doutorado sobre Auta de Souza, fui citada no livro como pesquisadora  que  iniciou a "necessária tarefa" de releitura crítica do trabalho de Auta reposicionando-a à luz do cânone publicada este semestre pela Editora da Física: “Auta de Souza: a noiva do verso”. O lançamento acontecerá em evento em comemoração dos 110 anos da primeira publicação do livro “Horto”, de Auta, onde pretendo trazer à discussão pública a abordagem de Callahan em “Between the Lines” no que concerne a Auta de Souza”.
Estou recebendo tudo isso com muita alegria, e há tempos penso que cedo ou tarde Auta de Souza acabaria sendo internacionalizada, pelos méritos de sua história e de sua poesia. O livro de Callahan parece ser um passo neste sentido. Ainda não o li, apenas vi algumas páginas disponíveis na internet, que deixaram o gostinho de 'quero mais'.

Enviado por: Ana Laudelina Ferreira Gomes/Profa. do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-Natal-Brasil.
10 de abril de 2011.

O Jornal de Artes parabeniza a professora/pesquisadora Ana Laudelina, a quem o Rio Grande do Norte deve, enfim, esse honroso reconhecimento da importância de Auta de Souza. Foi certamente a sua pesquisa que possibilitou a "descoberta" da poetisa potiguar por uma pesquisadora de outro país, Monique-Adelle Callahan. Não é sempre que algo assim acontece.
Ana Laudelina merece, no mínimo, o título de Cidadã Potiguar, por este belo serviço prestado à história cultural do Rio Grande do Norte.  

quinta-feira, 7 de abril de 2011


A LUA?

Em uma esquina pequena, bem próxima a estrela maior estava a lua vendendo em um terçal de emoções; prendas de luz para todos os anjos que ali passavam voando em busca do amor. Uns compraram promessas, outros desilusões, carinhos, olhares, juras infindas. Uns quiseram dúvidas, outros também e assim como fitinhas do Senhor do Bonfim iam escorrendo entre os verdes olhos daquela lua que vestida estava. Um negro fiapo da noite, sentado ao meio fio da nuvem, pergunta se aquela lua não gostava de amar, pois , com nenhuma prenda ficara. Ela, a lua, fitou com as esmeraldas flamejantes a noite fria que logo com aquele olhar clareada estava e falou que a lua era dos namorados, mas ele... e logo que falou ELE foi se despindo daquela lua encantadora e se tornou em um belo príncipe que sorridente falou que destribuia encantos e sonhos, canções de despertar e que não era o cupido da noite, mas a essência de um olhar. Colocou a sua fantasia sob o braço e logo um chão de estrelas se formou, serio e seguro do que fizera saiu a falsa lua naquele chão estelar a deslizar.

sábado, 5 de março de 2011

O PÁSSARO CINZA



O pássaro cor de chumbo descansava no fio elétrico. O tempo nublado visto pela janela do primeiro andar caracterizava uma cena parisiense.
                                  -Vista em cartão postal?

Não sei. A paisagem expunha telhados e copas de mangueiras frondosas, pedaços de fachadas e partes de quintais. Se escutava ao longe gritos alegres de crianças a brincar nas poças de água das ruas desertas provocada pela chuva que banhava aquela pequena cidade interiorana e cantava a escorrer nas biqueiras das casas.

                                 - Você vê o que fala?

Vejo o pássaro cor de chumbo que empoleirado no fio olha para mim. Escuto e imagino na inercia do meu abandono os sons que da rua vem em sua intensidade e recodifico visualmente e que agora acabo de falar. Acredito que nesse momento o senhor do tempo enxuga as bordas da mesa de jantar com a sua toalha de linho azul fazendo escorrer até nós em forma de chuva o que bebido estava sendo, em uma ceia, banquete ou só degustava o precioso liquido da vida..

                                   - O que?

Meio surreal o que falo, mas em muitas das vezes pensamos assim, só que não expomos porque soaria estranho, assim como soou para você agora.

                                   - Tá.


-Vejo um gato cinza no fio.

O pássaro!




Juscio Marcelino
(sábado), 05 de março de 2011