OLHANDO UM NATAL
Mira os olhos de quem tem fome, sede de comida, uma imensa e insaciável vontade de apalpar labialmente, mesmo que de relance o que você despreza. Senta ao lado de quem não sabe o que vai ser a sua próxima refeição, o seu acalanto, a sua tenra tranquilidade interior. Respiras só por um segundo o ar seco e incerto de um ninguém social, a sombra das sobras, daquele que caminha sempre em busca do pão.
Tentas imaginar você nessa situação.
-Eu?
Cruzamos os braços para os descasos sociais, as injustas desigualdades, diante dos aproveitadores, onde até nós mesmos nos aproveitamos. Cruzamos os braços para a corrupção social.
-Vem cá, moço. O senhor tá pensando ser candidato nas próximas eleições? Se tiver, pode ir mudando o discurso porque essa historia de ganhar voto à custa da miséria do povo não cola mais não. Pode ir tirando o cavalinho da chuva. O governo moço passa o ano inteiro sustentando nós com o bolsa família e no final do ano um bando de gente fazem campanha pra conseguir alimento pra nós. Tem muitos empresários que para não pagar o que eles têm de direito ao governo também entram nessa de nos dar as coisas. Digo-lhe mais seu moço, tem gente por aí que recebe tanta coisa que chega até a abrir uma bodega na janela da sala. E ainda lhe digo um tiquinho mais; nós pobres ainda vamos ter direito a décimo terceiro e esse dinheirinho vou deixar pra ir com os meus para Juazeiro visitar o meu Padrinho Padre Cícero. Tem muitos como o senhor, com esse discursinho fraco e ultrapassado passando para o lado de cá, ou pro lado de cá. Os que ficam no meio como o senhor só pena e nada consegue. Nós ganha casa, terreno, comer, médico, tudo de graça e ainda por cima o nosso natal e uma lordesa só. Nós vivemos de perna pro ar, no bem bom, sem trabalhar. Trabalho deixa pra esses bestas que se matam pra ter as coisas, se endividam, cheios de promissórias e nós só no bom. Vou lhe dizer mais uma coisa seu moço; nessa ultima campanha eu ganhei onze sestas básicas, construíram esses dois quartos novos na minha casa e uma caixa de roupa usada de uma madame. Vendi todinho como se fosse nova aqui mesmo e ganhei uma nota preta. Aquela bodega no inicio da ladeira é do meu filho que é sócio comigo. Entrei com a mercadoria que foram as sestas básicas e ele com o ponto e administra. Tudo o que recebo, vou ganhando mando para lá. Pelo que to vendo, o moço não tem onde passar o natal, não é isso mesmo? Pode ficar aqui em casa que daqui a pouco vem um povo lorde distribuindo do bom e do melhor e nós só passando bem. Eles cozinham para nós. No ano passado até vinho eles trouxeram.
-To besta.
- Agora o moço falou uma grande verdade. É um besta se continuar remando contra a maré. Moço, aí onde o senhor tá não tem mais peixe, essa maré secou. O negocio é esse rio de águas correntes. Não é límpida eu sei, mas que corre água, isso corre.
- E onde está o povo pobre e carente que precisam de ajuda, de amparo...
-Aqui, seu moço! Ta se fazendo de doido ou é cego. Tudo bem, eu já compreendi. O moço é daqueles burros empancados. Então fique aí com a sua conversa besta e olhando o natal dos outros que eu vou cuidar de ficar com cara de carente para poder receber mais que o ano passado. Feliz natal.
Juscio Marcelino
20 de dezembro de 2010