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domingo, 26 de dezembro de 2010

OLHANDO UM NATAL

Mira os olhos de quem tem fome, sede de comida, uma imensa e insaciável vontade de apalpar labialmente, mesmo que de relance o que você despreza. Senta ao lado de quem não sabe o que vai ser a sua próxima refeição, o seu acalanto, a sua tenra tranquilidade interior. Respiras só por um segundo o ar seco e incerto de um ninguém social, a sombra das sobras, daquele que caminha sempre em busca do pão.
Tentas imaginar você nessa situação.
-Eu?
Cruzamos os braços para os descasos sociais, as injustas desigualdades, diante dos aproveitadores, onde até nós mesmos nos aproveitamos. Cruzamos os braços para a corrupção social.
-Vem cá, moço. O senhor tá pensando ser candidato nas próximas eleições? Se tiver, pode ir mudando o discurso porque essa historia de ganhar voto à custa da miséria do povo não cola mais não. Pode ir tirando o cavalinho da chuva. O governo moço passa o ano inteiro sustentando nós com o bolsa família e no final do ano um bando de gente fazem campanha pra conseguir alimento pra nós. Tem muitos empresários que para não pagar o que eles têm de direito ao governo também entram nessa de nos dar as coisas. Digo-lhe mais seu moço, tem gente por aí que recebe tanta coisa que chega até a abrir uma bodega na janela da sala. E ainda lhe digo um tiquinho mais; nós pobres ainda vamos ter direito a décimo terceiro e esse dinheirinho vou deixar pra ir com os meus para Juazeiro visitar o meu Padrinho Padre Cícero. Tem muitos como o senhor, com esse discursinho fraco e ultrapassado passando para o lado de cá, ou pro lado de cá. Os que ficam no meio como o senhor só pena e nada consegue. Nós ganha casa, terreno, comer, médico, tudo de graça e ainda por cima o nosso natal e uma lordesa só. Nós vivemos de perna pro ar, no bem bom, sem trabalhar. Trabalho deixa pra esses bestas que se matam pra ter as coisas, se endividam, cheios de promissórias e nós só no bom. Vou lhe dizer mais uma coisa seu moço; nessa ultima campanha eu ganhei onze sestas básicas, construíram esses dois quartos novos na minha casa e uma caixa de roupa usada de uma madame. Vendi todinho como se fosse nova aqui mesmo e ganhei uma nota preta. Aquela bodega no inicio da ladeira é do meu filho que é sócio comigo. Entrei com a mercadoria que foram as sestas básicas e ele com o ponto e administra. Tudo o que recebo, vou ganhando mando para lá. Pelo que to vendo, o moço não tem onde passar o natal, não é isso mesmo? Pode ficar aqui em casa que daqui a pouco vem um povo lorde distribuindo do bom e do melhor e nós só passando bem. Eles cozinham para nós. No ano passado até vinho eles trouxeram.
-To besta.
- Agora o moço falou uma grande verdade. É um besta se continuar remando contra a maré. Moço, aí onde o senhor tá não tem mais peixe, essa maré secou. O negocio é esse rio de águas correntes. Não é límpida eu sei, mas que corre água, isso corre.
- E onde está o povo pobre e carente que precisam de ajuda, de amparo...
-Aqui, seu moço! Ta se fazendo de doido ou é cego. Tudo bem, eu já compreendi. O moço é daqueles burros empancados. Então fique aí com a sua conversa besta e olhando o natal dos outros que eu vou cuidar de ficar com cara de carente para poder receber mais que o ano passado. Feliz natal.

Juscio Marcelino

20 de dezembro de 2010



sábado, 4 de dezembro de 2010

O MONSTRO DE CADA UM

 


O carrossel multicor contrastava no ambiente ocre acinzentado daquela pequena cidade. A velocidade de um furacão redemoinhava as fitas brilhantes e coloridas que ornavam o lúdico brinquedo em ação e aqueles movimentos e entusiasmo de tudo o que aos olhos fascinavam trazia cada vez mais a certeza que aquele momento era surreal, que ele não fazia parte daquela cidade do interior. O mundo inteiro não cabia de tanta felicidade naquela sinfonia de alegria e prazer entre horizontais e verticais, cadeiras, rodas e cavalinhos, gritos, risadas e movimentos. Girava o mundo e o meu coração.
O olhar inocente e doce viajava entre imagens encantadoras e lágrimas, onde a cada uma que aleatoriamente escorria no pequeno rosto iluminado pelas luzes que ornavam aquele mundo mágico cravavam a certeza de que tudo aquilo não era seu, que todo aquele universo eram para os escolhidos em um sorteio invisível. As mãozinhas fixas e fortemente atracadas nos varões de ferro que separava essas duas realidades limitavam os sonhos, desejos e anseios daquela criança de calção surrado e pés no chão.
E o monstro da luz de fogo com o seu poder de bruxo do cifrão faz o pequeno coração sentir o peso da perda que brutalmente soca o seu peito lhe fazendo chorar sem realmente saber o que significava toda aquela transformação. Viu alguns de seus amigos da rua onde morava enfrentando aqueles monstros em giros alucinantes e sempre vitoriosos desciam com cara de satisfação na certeza de novas batalhas e vitorias. Como uma fração de segundos a mente fresca e infantil abre um leque de lembranças recheadas de quintais, fruteiras, balanços de pau e corda, gangorras na raiz de um antigo cajueiro e do escorrego nas folhas de um coqueiro anão. O cheiro da comida caseira e das marmeladas feitas no quintal da velha Lindinha e a sua turma a correr e brincar despreocupadamente naquelas lembranças. Em suas recordações ele não estava só, mas com todos os seus amigos que naquele momento lutavam animadamente com os monstros do prazer no outro lado, tão perto, mas tão distante.
-Porque eu não posso?
Um forte soluço lhe tomou o corpo e quase sem controle ele se viu tão pequeno, sem poder, sem liberdade. Era o invisível mostro da vida de cada um ser humano se apresentando ao pequeno que acabara de nascer para a realidade.
Juscio Marcelino de Oliveira

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

ORGASMO



Uma corrente grossa e forte descia do imenso céu azul. Eram elos enormes e retorcidos na suavidade de um cetim. O vento brumal que vinha do sul como um sopro carinhoso do deus do tempo embalava no balanço e no silvo aquele enorme pendão como um capinzal em brisa de verão. Alguns pingos cintilantes perolal desprendiam-se aladamente daquela bela e harmoniosa escultura azul. Os raios ofuscantes e lacivos do sol proporcionavam um brilho fugaz que penetrava cravejantemente na água marinha unindo pingos e gotas, céu e mar.
Por um longo tempo o meu relógio não marcou tempo algum. O período que compenetrado estava admirando aquele espaço como uma fotografia viva passou feito andorinhas em revoada, mas calmo, pouco espesso e assim distraído fiquei. Se não o rasgar de uma gaivota em disputa de território, a minha viajem alucinógena reinaria em terras de ninguém por mais um bom e interminável tempo. A cabeça aos poucos ia ficando proporcionalmente reações em comando aos seus, ativando todas as áreas, coordenando harmoniosamente o despertar de um momento mágico e feliz.
A nostalgia me abraçava carinhosamente reportando-me aos pingos alados e correntes em cetim azul. O embalo, o abraço, aconchego do céu e o mar como um real casamento de ilusões pairava nas minhas células, em todo o meu ser.
As forças ainda não me tomavam por inteiro e despreocupadamente me deixava relaxar na certeza de querer perenemente ficar, de está ainda mais um pouco naquela ilusão celestial, naquela farra mental, naquele embalo de amor. A minha frágil situação me permitia fusões de emoção, provocava os sentimentos, sentidos e eclosões de um salgado líquido sutilmente febril que banhava deliberadamente a inerte porta da ilusão. Sentindo o vento a bater, a areia fina a acariciar era o sinal do final daquele momento impar e que certamente não se repetiria jamais.