EU CAJUEIRO
E um dia, ao amanhecer, estarei velho na aparência, mas novo no conhecimento, saboreando palavras em cordas do tempo, degustando lembranças inesquecíveis. Um leve suspiro irá compor esse momento, esse dia, esse fim... De um belo começo.
Folhas de um antigo cajueiro deitarão soltas, amareladas, depreendidas da sua função primeira para na segunda em decomposição está sobre a espessa grama que marca a copa ao chão e naquele dia, testemunham a conversa de uma criança com o seu avô:
-Fala vô o que esse homem tanto fez para merecer o nome dele nessa árvore?
O avô que embalava a netinha no balanço montado sob a frondosa copa do cajueiro parou por segundos e lembranças que ele pensava estarem enterradas sob as grossas e extensas raízes daquela arvore lhe vieram à tona como uma invocação espiritual. O relógio da vida estava naquele momento com o mesmo ponteiro que há vinte anos o marcara para sempre. Como lançadeiras o seu pensamento começou a implodir de informações, de lembranças alegres, de momentos impagáveis, muitos deles simples, quase despercebidos, mas só agora valorizados pela imensurável saudade. Ele via praias, enseadas, campo de futebol, churrasco, bebida, moto, carro, aventura e... Os seus olhos marejantes relutaram para não chorar a solidão que tinha lhe tomado por inteiro naquele momento. Um arrependimento de coisas que deixara de fazer reforçava aquela eclosão de desejos de retornar ao passado, de rever conceitos e refazer coisas que hoje lhe daria um doce prazer.
-Vovô!
Como um forte anzol a sua netinha o pesca para o real, faz o avô retornar daquele labirinto de recordações, daquela nostalgia.
-Balança!
Desnorteando, com a cabeça confusa pelos sentimentos que despertaram em seu coração provocado pelo passado, ele convida a netinha para retornar argumentando o tempo, o lanche da tarde, enfim, retira a pequena do balanço e afaga em seus braços simbolicamente se despedindo do passado, como se aquele abraço fechasse a porta do túnel do tempo.
-O senhor tá chorando?
Ele sorrir para aquele anjinho e lhe explica que foi um cisco da árvore que caiu em seu olho.
-Nos dois?
-Sim, meu amorzinho, nos dois, mas logo o vovô vai está bem.
-Árvore feia.
Uma folha verde cintilante, nada visto naquela manhã e acredito em lugar algum se desprende do velho cajueiro e suavemente cai no colo da netinha que estava nos braços do seu avô. Uma brisa perfumada com aroma de natureza invade todo o espaço comungando com o momento em flor. A netinha sorrir.
-Desculpa árvore.
-Desculpa árvore.